A cidade de Balneário Camboriú (BC) no litoral centro-norte de Santa Catarina (Fig. 1) vem ao longo dos tempos produzindo surfistas de alto nível, como por exemplo, o surfista Teco Padaratz, bicampeão mundial de surf (WQS) no ano de 1999 e apoiador do projeto. Além disto, a cidade possui boas escolas de surfe que proporcionam oportunidade de vida para muitas crianças e adultos. Porém, o elevado número de surfistas em BC disputando lado a lado as ondas em um mesmo espaço tende a prejudicar o nível de surfe do local, sendo o agente responsável por desavenças entre os surfistas. O número de praticantes do esporte cresce exponencialmente a cada ano, mas os locais para a prática são os mesmos. Para Bancroft (1999), isto traz como conseqüência o incremento da insatisfação para com o esporte surfe. Segundo censo IBGE (2004) a população de BC está estimada em 90.000 pessoas, sendo que nos meses de verão (Dezembro, Janeiro e Fevereiro) esta população aproximadamente triplica (média de 270.000 pessoas) (Fig. 2). Muitos destes turistas, na verdade, são surfistas em potencial que utilizam a praia de BC não somente para o tradicional banho de mar, mas também para aprender surfar. Desta forma, no período de férias (verão), a população de surfistas em BC aumenta seguindo as mesmas proporções do censo do IBGE (2004), superlotando a área de surfe da enseada.
Dentre os pontos de surfe na enseada de Balneário Camboriú, um se destaca por sua beleza natural e fácil acesso por passarela de madeira. A ponta norte da enseada, área de fundo de pedras, possui alto potencial para surfe na região. O local possui embasamento rochoso (fundo de pedras) em uma área correspondente a aproximadamente 1 km². Para melhor aproveitamento deste local, a proposta é produzir artificialmente quebras de ondas com ondulação a partir de 0,5 m. A implantação de um Recife Artificial para o Surfe (RAS) nesta área pode aumentar a surfabilidade do local, bem como criar novos pontos de surfe na enseada de BC.
Figura 1: Enseada de Balneário Camboriú (BC), destacando a localização do RAS (retângulo) na ponta norte.
Figura 2: Praia de Balneário Camboriú, SC, no mês de Fevereiro. Foto: Marcus Polette.
A efetivação deste tipo de projeto só ocorre quando estudos de campo e de laboratório são realizados previamente. O entendimento prévio dos processos físicos e geológicos que governam a região é indispensável para que os objetivos do projeto sejam alcançados. Estas construções costeiras podem ser realizadas incorporando opções de uso múltiplo como: habitat para organismos marinhos, local para a prática do surfe, mergulho, natação segura, pesca comercial e recreacional (BLACK et al.; apud BLACK e MEAD, 2001). Isto significa também que estas estruturas podem ser projetadas para proporcionar qualquer tipo de quebra de onda desejada. Além disto, possibilitam o uso da estrutura mesmo em dias em que não ocorre ondulação para a prática do surfe, promovendo a interação entre os praticantes de esportes aquáticos e turistas.
A Prefeitura de Balneário Camboriú e Associação de Surfe de Balneário Camboriú (ASBC) mencionam o profundo interesse em realizar este projeto.
Materiais e Métodos
Para dar início ao projeto primeiramente é necessária a reunião de uma equipe multidisciplinar para formular, elaborar e dirigir os estudos e planejamentos, com o objetivo de conhecer e utilizar racionalmente o meio marinho realizando, direta ou indiretamente o projeto em duas fases:
Fase A - Levantamento, processamento e interpretação das condições físicas, e geológicas do meio marinho, suas interações, bem como a previsão do comportamento dos parâmetros e dos fenômenos a eles relacionados. Nesta fase também é necessária a elaboração do Estudo de Impacto Ambiental para liberação da obra pelo órgão ambiental (IBAMA).
Fase B – Obtenção dos documentos de liberação da construção junto aos órgãos ambientais e administrativos. Desenvolver e aplicar os métodos e técnicas relacionados à obra e instalação da estrutura (construção).
Para a predição do comportamento dos fenômenos provocados pela instalação da estrutura, a ferramenta utilizada é a modelagem numérica. A modelagem ajuda a dizer se a forma de se tratar um determinado sistema é a mais adequada, sendo uma ferramenta extremamente útil neste projeto. Christofoletti (2004) salienta que, a modelagem pode ser considerada como instrumento entre os procedimentos metodológicos da pesquisa científica, sob justificativa que a construção de modelos a respeito dos sistemas ambientais, representa a expressão de uma hipótese científica que necessita ser avaliada como enunciado teórico sobre o sistema ambiental focalizado. No projeto serão utilizados modelos para as predições de ondas, correntes e morfodinâmica costeira. Todas as possibilidades de instalação do recife, bem como os impactos provocados pelo mesmo são previamente investigados visando a maneira adequada de realizar a obra.
Material dos Recifes
Os recifes podem ser construídos com diversos materiais (ex: rochas, concreto, etc.). Mas, devido a problemas ambientais que podem ser provocados por materiais tóxicos, o sugerido são sacos preenchidos com sedimento arenoso. Estes são inofensivos a biota marinha sendo também de fácil manipulação. Os sacos são feitos de material biodegradável chamado Geotecido e podem ser adquiridos em empresas nacionais.
Instalação dos Recifes
Os recifes são instalados através da utilização de balsa (Fig. 4), ou barco com grande área de trabalho na popa. No caso de uso de balsa, os sacos são preenchidos através de bombeamento do sedimento para seu interior, sendo que este já se encontra submerso (Fig. 5). Neste procedimento é utilizado mergulho autônomo. No caso de uso de barco, os sacos podem ser preenchidos parcialmente na popa, sendo posteriormente fundeados com o auxílio de guincho. Em ambos os casos, os sacos são completamente preenchidos e ancorados pelo uso de estaqueamento (Fig. 6).
Figura 4: Balsa utilizada para o fundeio do recife construído na Nova Zelândia.
Figura 5: Saco sendo preenchido com sedimento ( Mount Reef, Nova Zelândia).
Figura 6: Processo de ancoragem (Mount Reef, Nova Zelândia).
Benefícios sociais
Em outra região da Nova Zelândia, mais precisamente em Lyall Bay, na cidade de Wellington, a proposta de implantação de um recife para o surfe tem provocado debates sobre a instalação. Até um importante grupo local de avaliadores foi formado, denotando a importância social do projeto. Seus interesses chaves incluem a segurança na água, efeitos na praia, efeitos nas praias vizinhas, impactos ecológicos e tabela de dias surfáveis para a comunidade local. Já em Narrowneck na Gold Coast, foi promovida a relação entre comunidades ligadas ao surfe de diferentes locais na Austrália. Ocorreu uma intercomunicação entre as comunidades no intuito de fornecer esclarecimentos a respeito da construção e funcionamento do recife. Além disto, foram criadas escolas e associações de surfe ligadas ao recife artificial.
Benefícios ambientais
Estudos no Recife de Cables Beach, Oeste da Austrália (feito de granito e rochas) indicaram grande colonização de algas marinhas, incluindo largas algas e gramas marinhas, tulipas do mar, tubos de poliquetas (espécie de minhoca do mar) e moluscos. O efeito total ambiental foi considerado positivo pelo aumento da riqueza marinha. O sucesso do recrutamento de diversas espécies de algas e invertebrados é significante. Isto, porque são espécies de base responsáveis pela ocupação básica para a evolução ao clímax de comunidades em recifes de áreas rasas costeiras. A sobrevivência continuada e crescimento das espécies base poderão facilitar o recobrimento da diversidade da vida marinha em áreas que anteriormente não eram habitadas
[1].
[1] Fonte: Gorham 2000 apud Ranasinghe et al., 2001.
Benefícios gerais
Alguns dos benefícios gerais do recife artificial com funções agregadas são:
- Aumento da proteção contra a erosão;
- Aumento das vendas das lojas ligadas diretamente e indiretamente a esportes aquáticos;
- Estabelecimento de escolas de surfe;
- Local para competições locais, nacionais e internacionais;
- Local para enriquecimento da vida marinha;
- Aumento do comércio de alimentação e acomodação locais.
Resultados esperados
Espera-se obter o projeto de uma estrutura capaz de atender os seguintes requisitos estabelecidos:
- Quebra de ondas perfeitas para a prática do surfe;
- Aumento da proteção costeira;
- Agregar funções a estrutura para o benefício da comunidade local.
Conclusão
As tecnologias de recifes artificiais submersos para a quebra de ondas perfeitas para o surfe, bem como para proteção de praias, já estão disponíveis para aplicações estratégicas. Estas estruturas são consideradas o futuro do surfe (mais locais para a prática) e também da proteção costeira. É marcante o avanço destas tecnologias, e a capacitação de pessoal e da indústria brasileira faz-se necessária.
Referências
BANCROFT, S. Performance Monitoring of the Cable Station Artificial. Tese (Bacharelado em Engenharia ambiental) - Department of Enviromental Engineering, University of West Australia. 1999.
BLACK, K. Numerical Prediction of Salient Formation in the Lee of Offshore Reefs. Proceedings of The 3º International Surfing Reef Symposium, 2003.
BLACK, K. e MEAD, S. Design of the Gold Coast Reef for Surfing, Public Amenity and Coastal Protection: Surfing Aspects Journal of Coastal Research, SI29, 115-130, 2001.
CHRISTOFOLETTI, A. Modelagem de Sistemas Ambientais. Ed. Edgard Blucher LTDA. 1ª edição 1999, São Paulo – SP, 3 ª edição 2004.
MEAD, S. e BLACK, K. Field Studies Leading to the Bathymetric Classification of World-Class Surfing Breaks. Journal of Coastal Research, SI29, 5-20, 2001.
OPUNAKE ASR COMMITTEE. Proposed artificial surf reef, opunake, south tanaki. draft economic impact report and feasibility study. New Zeland, March, 2002.
RANASINGHE, R.; HACKING, N.; EVANS, P. Multi-functional Articial Surf Breaks: A Review. Center for Natural Resources, NSW - Australia, 2001.