quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Recifes Artificiais para o Surfe: projeto socioeconômico e ambiental

Narrowneck Reef, Gold Coast - Austrália.


Hoje em dia a idéia dos recifes artificiais pra o surfe está sendo discutida de maneira efetiva entre comerciantes, cientistas, esportistas e até entre políticos. Políticos têm utilizado este assunto como campanha eleitoral no intuito de conseguir o apoio da comunidade ligada ao surfe. Projetos como estes devem ser antes de tudo, idealizados com acompanhamento técnico específico para não colocar em risco a segurança dos surfistas, o ambiente marinho e o equilíbrio dinâmico das praias onde são implantados.
Um estudo realizado em 2002 para a possibilidade de instalação de um recife artificial para o surfe em Newquay Bay na Inglaterra, desenvolveu um questionário com perguntas mais freqüentes realizadas por pessoas interessadas em realizar este projeto. Neste estudo as perguntas mais freqüentes foram:

Quem serão os beneficiados pelo recife?

Os beneficiados serão os surfistas locais, surfistas visitantes e surfistas internacionais. A cidade em geral, os donos de lojas ligados indiretamente e diretamente ao esporte, e a indústria dos hotéis e pousadas, pelo o aumento do turismo consciente e do comércio particularmente na estação de pico. A maioria dos benefícios econômicos ocorre durante as competições de surfe. Outros beneficiários são mergulhadores, body-boarders, pescadores amadores, nadadores e pessoas que vão à praia para se divertir.

Como um recife artificial para o surfe pode realizar boas quebras de ondas para o surfe?

O recife consiste na remodelação do fundo de maneira que permita a onda quebrar perfeita para a prática do surfe. Surfistas necessitam de uma forma de quebra de onda onde a corrida na parte da onda que não quebrou ainda (a parede), esteja a frente da parte da espuma. Quando alinhado adequadamente, o recife artificial irá causar a quebra das ondas em uma velocidade ideal para o surfe. O tipo de quebra da onda, tubular ou manobrável, é também determinado pela forma do fundo. Assim, o recife pode ser usado também para aperfeiçoar o tipo de quebra da onda.

O que acontece se não há ondulação?

Se não há ondulação as ondas não quebram sobre o fundo, assim os melhores beneficiados são os mergulhadores e pescadores.

Poderia o recife fazer com que quebre altas ondas durante todo o verão?

Não, o recife não pode fazer isto, pois a regra número um é: “Sem ondulação no oceano, sem ondas sobre o recife artificial”, e, portanto sem surfe. O surfe depende da natureza.

Quanto tempo pode durar um recife?

Depende do material com que é feito. Por exemplo, se for construído com rochas pode durar eternamente. Por outro lado, manufaturados de geotextil garantem o material por séculos em ambientes abrigados.


Relação custo - benefício

A implantação de um recife artificial para o surfe traz benefícios sociais e econômicos para a cidade, bem como para as cidades adjacentes de onde está localizada a estrutura. Um relatório de impactos socioeconômicos, preparado pelo Comitê de Recifes Artificiais de Opunake em 2002, com a intenção de avaliar a proposta de implantação de dois fundos artificiais para o surfe na Baía de Opunake, Taranaki do Sul, Nova Zelândia, relata os efeitos benéficos que o projeto pode realizar. Para este relatório foram avaliados projetos já implantados ao redor do mundo, bem como aqueles que estão em processo de implantação. Serão apresentados a seguir resultados de 3 projetos avaliados.


  • Projeto Pratte’s Reef

Local do projeto: Cables Beach, Costa Oeste, Austrália.
Objetivo: Projeto realizado unicamente para a melhoria da qualidade do surfe no local.
Data do término da construção: Dezembro de 1999.
Material utilizado para construção: Rochas e granito
Comprimento do segmento maior: 80 metros
Comprimento do segmento menor: 40 metros
Custo total (estudos preliminares + construção): U$1. 500.000

Os benefícios econômicos gerados deste projeto podem ser identificados nos direitos autorais, propagandas e direitos de negócios, patrocinadores de eventos (como campeonatos) e gastos diretos com alimentação, hospedagem e vendas no varejo de roupas e equipamentos. Os impactos econômicos atuais não estão sendo monitorados, mas foram estimados entre U$ 75.000 e U$ 225.000 por ano. Estes valores podem ser gerados através de direitos de negócios. Para direitos autorais o retorno é U$ 300.000 por ano, no mínimo.


  • Projeto Narrowneck Reef

Local do projeto: Gold Coast, Narrowneck Beach, Austrália.
Objetivo: Projeto realizado com 2 objetivos, proteção de praia contra a erosão e quebras de ondas perfeitas para o surfe.
Data do término da construção: Dezembro de 2000
Material utilizado para a construção: 300 sacos de 3 tamanhos diferentes preenchidos com areia.
Comprimento do segmento maior: 400 metros
Comprimento do segmento menor: 200 metros
Custo Total (estudos preliminares + construção): U$2.800.000
Este projeto foi idealizado para gerar 60 vezes mais benefícios (em termos econômicos e de receita bruta) do que os custos, o que representa um alto rendimento. Isto quer dizer que para cada dólar australiano investido, 60 dólares australianos seriam lucrados pelo projeto após a implantação. A título de comparação, um recife de pequeno porte projetado em Bouremouth, na Inglaterra, foi idealizado para gerar 20 vezes mais benefícios do que custos. Para Narrowneck, os benefícios são derivados diretamente da indústria do turismo em receita bruta (U$ 1.600.000 em taxas por ano) e economia de reparos na praia ocasionados pela erosão.


  • Projeto Mount Reef

Local do projeto: Mount Maunganui Beach, Nova Zelândia.
Objetivo: Projeto realizado para a melhoria da surfabilidade no local.
Material utilizado para a construção: Sacos preenchidos com areia.
Comprimento de ambos os segmentos: 50 metros
Custo total até o momento (estudos preliminares + construção): U$ 800.000
Data do término da construção: Projeto ainda em fase de implantação.

Projeto idealizado para gerar 30 vezes mais benefícios do que custos. Neste caso um pequeno recife experimental de 50 metros está sendo implantado. Um estudo de impacto econômico e uma consultoria com relatório de impacto social sugeriram que a implantação pode incrementar a economia local em U$ 500.000 por ano (antes das taxas). Esta estimativa está baseada no aumento de 50 surfistas por dia com ondas favoráveis ao surfe.

Passando a régua

Segundo o estudo realizado pela empresa ASR (Artificial Surf Reef), empresa responsável pela construção do recife que obteve sucesso absoluto na Austrália (Gold Coast, Narrowneck Beach), as estimativas de custo para um recife construído com sacos de areia variam de U$700.000 até U$1.300.000 dependendo de:

O tamanho do recife;
A localização da jazida de areia para o preenchimento dos sacos; e
Se o consentimento do recurso (areia) está notificado ou não.

O preço vai depender principalmente do custo do material e da logística de construção. O estudo sugere ainda que uma relação preliminar de custo e benefício seria de mais de 30 para 1, isto é, para cada dólar investido mais de 30 dólares seriam obtidos de lucro. O estudo da ASR listou alguns dos benefícios gerais do recife:

Aumento da proteção contra a erosão;
Aumento das vendas das lojas ligadas diretamente e indiretamente ao surfe;
Estabelecimento das escolas de surfe;
Local para competições locais, nacionais e internacionais;
Local para enriquecimento da vida marinha;
Aumento do comércio de alimentação e acomodação locais.

Em uma outra região da Nova Zelândia, mais precisamente em Lyall Bay, na cidade de Wellington, a proposta de implantação de um recife para o surfe tem provocado debates sobre a instalação. Até um importante grupo local de avaliadores foi formado, denotando a importância social do projeto. Seus interesses chaves incluem a segurança na água, efeitos na praia, efeitos nas praias vizinhas, impactos ecológicos e tabela de dias surfáveis para a comunidade local. Já em Narrowneck na Gold Coast, foi promovida a relação entre comunidades ligadas ao surfe de diferentes locais na Austrália. Ocorreu uma intercomunicação entre as comunidades no intuito de fornecer esclarecimentos a respeito da construção e funcionamento do recife. Além disto, foram criadas escolas e associações de surfe ligadas ao recife artificial.
Estudos no Recife de Cables Beach, Oeste da Austrália (feito de granito e rochas) indicaram grande colonização de algas marinhas, incluindo largas algas e gramas marinhas, tulipas do mar, tubos de poliquetas (espécie de minhoca do mar) e moluscos. O efeito total ambiental foi considerado positivo pelo aumento da riqueza marinha. O sucesso do recrutamento de diversas espécies de algas e invertebrados é significante. Isto, porque são espécies de base responsáveis pela ocupação básica para a evolução ao clímax de comunidades em recifes de áreas rasas costeiras. A sobrevivência continuada e crescimento das espécies base poderão facilitar o recobrimento da diversidade da vida marinha em áreas que anteriormente não eram habitadas[1].
O interesse em produzir artificialmente quebras de ondas perfeitas para a prática do surfe tem aumentado em resposta a um aumento de praticantes deste esporte. A estimativa hoje é que são no mínimo 10 milhões de surfistas[2] ativos espalhados pelo mundo inteiro juntamente com uma multimilionária indústria de artigos de surfe. O aumento do “crowd” traz como conseqüência o incremento da insatisfação para com o esporte surfe[3]. Este problema fez com que aumentasse a pressão sobre os órgãos políticos na Austrália para que a prática do surfe ocorra em maior número de locais com condições excelentes, provocando também um forte desejo por qualidade na quebra de ondas. O esporte requer uma alta qualidade de onda para progredir. A realização de recifes artificiais para o surfe pode resolver este problema além de proporcionar outros tipos de recreação em suas áreas.
Para que um projeto venha a ser financeiramente e ambientalmente justificado, a surfabilidade precisa ser melhorada sensivelmente se comparada às condições naturais de surfe do mesmo local[4]. O termo surfabilidade significa o número de dias favoráveis à prática do surfe por ano e a qualidade de quebras de ondas para o surfe no local. Para permitir a comparação entre a situação “antes” e “depois” da implantação, é necessária uma avaliação da surfabilidade da área de implantação. A determinação da surfabilidade permite não somente uma quantificação do grau de melhoramento das condições de surfe através da construção da estrutura, mas pode também ajudar na seleção do local ótimo de sua construção.

Portanto, um projeto de um recife artificial para o surfe pode modificar completamente o cotidiano socioeconômico da cidade. Obras como estas trazem desenvolvimento pela alta visitação e, por conseqüência, pela capitalização de empresas ligadas direta e indiretamente ao surfe. A cidade onde estará localizada a estrutura poderá ainda sediar eventos internacionais de surfe devido à alta qualidade da quebra de ondas geradas pelo fundo artificial. Neste caso, a região e a cidade são automaticamente beneficiadas por terem seus nomes divulgados em todo o planeta[5]. Porém, é necessário um projeto bem elaborado, com estudos científicos e sociais preliminares sobre a implantação. Só assim será possível a avaliação dos efeitos gerados pela construção, bem como a maximização dos benefícios oriundos do projeto.

[1] Fonte: Gorham 2000 apud Ranasinghe et al., 2001.
[2] Fonte: Pitt 1997 apud Mead e Black, 2001.
[3] Fonte: Bancroft, 1999.
[4] Fonte: Pattiratchi, 1999.
[5] Os eventos internacionais de surfe são transmitidos ao vivo pela internet (ver: http://www.aspworldtour.com/).



Narrowneck Reef - Gold Coast, Austrália

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